Nosso Foro de Porto Alegre

 

Nosso Foro de Porto Alegre


 
  Lendo o jornal virtual Espaço Vital, tomei conhecimento da opção de podermos colocar nossa visão e falar sobre as irregularidades dos cartórios judiciais. 

  É com grande tristeza, depois de 30 anos de militância forense, que tenho considerações a fazer, as quais já fiz por diversas vezes, através de petições. Jamais, quando comecei a estudar Direito, em 1976, imaginei que presenciaria essa verdadeira tragédia social, moral e ética com que hoje nos deparamos.


  Uma das maiores irregularidades e afronta à classe dos advogados, é chegar aos cartórios, quando abrem suas as portas, às 10h30min da manhã, e lá nos depararmos com estagiários de escritórios de Advocacia, que prestam serviços exclusivos à Brasil Telecom, já dentro das dependências dos cartórios - que, para os simples advogados mortais, estavam fechados. 


  Afirmo: esses estagiários estão dentro dos cartórios, já, desde cedo, vendo e buscando processos, antes mesmo da abertura oficial das portas! Pergunto: para quem os cartórios ficam fechados? Fechados somente para os advogados profissionais liberais que mantêm seus escritórios sozinhos? 


  Sim, temos certeza que esse proceder já é uma das formas de liquidação da classe como profissional liberal. Atualmente só interessam profissionais que trabalhem para grandes grupos e que possam vir a ser doutrinados com suas ‘filosofias corporativas’. São pessoas jovens, que já vêm sendo doutrinadas desde a infância por toda sorte de mensagens que sabemos e conhecemos bem quais sejam. Ingressam nessas grandes multinacionais e passam a crer piamente, por manipulação subliminar, que aquela filosofia da empresa é a mais pura, maior e única verdade que existe no planeta. É lastimável, mas é exatamente assim que vem acontecendo. 


  E ainda veremos muito pior. Hoje somos desaforados todos os dias por servidores, funcionários e estagiários nos balcões dos cartórios, quando não pelo próprio escrivão e até por juízes. 


  São atiradas canetas em nossa direção, fazendo parecer que seria para o balcão; processos são atirados com toda força em cima do balcão; há gritos, assovios, cantarolar debochado, risos irônicos e muito mais, quando não nos dizem que “infelizmente doutora, o processo está perdido, sumiu!". 


  Não são todas as pessoas da lide forense que agem assim, é lógico, mas uma parte significativa, o que nos preocupa demasiadamente. Estamos vivendo o caos no Judiciário, é um verdadeiro inferno fazer foro nos dias atuais. 


  Alguns funcionários fazem o que querem e como querem, parece que como sabendo de que nada irá lhes acontecer. E esse é o sentimento de todos os advogados com quem conversamos nas lides forenses.  


  Isso é triste, é desalentador, pois a Advocacia sempre foi uma profissão muito respeitada e, nos parece, atualmente, estão querendo depreciá-la e desmoralizá-la. A quem interessa desqualificar e desmoralizar a advocacia?

 

  A missão da OAB é lutar pela classe, por seus profissionais, por sua honra e dignidade, reforçar à sociedade que somos essenciais ao cumprimento da lei e à administração da justiça, que somos essenciais para a vida digna e plena do cidadão e, também, exigir respeito, tratamento digno, a todos os inscritos que lutam diariamente pela cidadania, respaldados no art. 133 da CF/88.


  Todos são iguais, essa é maior e mais verdadeira questão a ser observada quando se tem por objetivo a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária. Sermos iguais, entretanto, não significa que não tenhamos que observar hierarquias, valores, responsabilidades, deveres e direitos. 


  No meu entender falta muito por parte da OAB no que diz respeito à mobilização dos advogados, à informação dos profissionais sobre os objetivos, projetos e ações que estejam em andamento ou sendo efetivados. Falta comunicação entre a Ordem e seus inscritos.


  Quando não se abrange a todos, começamos a perder força, pois o desestímulo pela falta de informação, traz a malfadada falta de interesse para PARTICIPAÇÃO. Uma entidade, no caso órgão de classe, sem participação e sem envolvimentos dos seus interessados como um todo, enfraquece politicamente, foge de seu objeto, e começa a fraquejar naquilo que seria seu fim primeiro de constituição, passando a ficar de interesse e objetivo de poucos, que se apoderam da entidade na busca egoísta de projetos pessoais.


  E quando se torna de poucos, deixa de trilhar a busca do bem comum. A própria filosofia e sociologia comprovam e demonstram cientificamente que este não é o caminho mais saudável para desempenho de grandes grupos, de associações, de órgãos de classe, de empresas, etc. Sem o fomento da PARTICIPAÇÃO, com INFORMAÇÃO séria, verdadeira e de qualidade, para criar o sentimento de PERTENCIMENTO, a Ordem tende a fracassar.


  A Ordem precisa ser mais dos advogados. Os advogados precisam se sentir partes da Ordem, pertencentes à Ordem e pertencentes também à sociedade na condição de advogados que são. E esse sentimento deve ser estimulado e largamente trabalhado pela própria Ordem, ela precisa abrir suas portas aos inscritos e ao cidadão.  É como em família, quando o pai e a mãe conseguem passar esse sentimento aos filhos, a família cresce forte, realizadora, saudável e seus membros se desenvolvem seguros, comprometidos e cientes de seus direitos e deveres. 


  Juntos, com nossas experiências, nossos conhecimentos, aproveitando esse contingente múltiplo e diverso de inscritos, sem medos de disputas e sentimentos menores, mas sim num verdadeiro movimento de uma classe em prol de seus objetivos comuns e seus ideais cidadãos, poderíamos, sem dúvida, colaborar de forma mais plena na construção do nosso país, resultando assim em vida melhor para todos. 


  Não só para nós advogados, mas para sociedade como um todo. Paz e justiça sociais somente serão atingidas pelo esforço e envolvimento de todos, na constante busca de expansão da consciência.

 

Carmen Pio

Advogada

OAB/RS 14.685

Porto Alegre/RS

25.04.2006

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