UM POUCO DO QUE APRENDI
UM POUCO DO QUE APRENDI
Eu,
portadora de Esclerodermia, com sintomas desde 1978, teria muitos e muitos
relatos a proferir, tristes, profundos, trágicos, de dor, de desespero, sem
dúvida. Entretanto, prefiro dizer que tudo que passei e passo me tornou uma pessoa
muito melhor do que aquela de antes da descoberta da doença. É fundamental
sempre elencarmos primeiro os pontos positivos.
Tenho a
dizer que esse crescimento como ser humano e essa condição de poder conviver
com a doença, sem que ela me destruísse por completo, somente ocorreram pela
condição intelectual e pela capacidade e conhecimento de que dispunha e dispõe
o médico que me acompanha nos últimos 38 anos de minha vida, Dr. Carlos Alberto
Von Muhlen. Afirmo que o profissional que nos acompanha é tudo no manejo da
doença. O médico precisa gostar de gente! O médico precisa compreender os
sinais emocionais do paciente. Sem essa capacidade de compreender e perceber o
outro, nenhum médico poderá ajudar um paciente com Esclerodermia, eis que uma
doença que oscila e se manifesta, principalmente, conforme o estado emocional
de seus portadores.
Essa
grave e ainda pouco conhecida doença, a Esclerodermia, sempre nos deixa muito inseguros,
uma vez que nunca sabemos quando e o quanto ela poderá nos destruir de forma
imediata. Isso é um fator determinante, a meu ver, no desenrolar e na
aceleração da doença. Não podemos, de forma alguma, nos entregarmos a ela e
muito menos nos aceitarmos 'doentes'.
É
necessário, no manejo da doença, nos empenharmos com todas as forças e de todas
as formas, para que não nos entreguemos quando das fortes dores, das isquemias
alucinantes, das vasculites que nos tiram os movimentos de pés e mãos e muitas
vezes atacando também órgãos internos, das tosses que não nos deixam dormir por
meses e meses a fio, das azias, das faltas de ar quando caminhamos e subimos
escadas, dos batimentos cardíacos acelerados e 'estranhos', da boca seca, dos
olhos secos, da diminuição da audição, da visão, das tonturas, dos
esquecimentos momentâneos, enfim, de tantos sintomas que nós portadores da Esclerodermia
conhecemos tão bem.
Não
podemos nos entregar a nenhum deles! Nós precisamos nos tornar guerreiros e
aprender a lutar, pois será necessário derrubar um a um dos nossos 'inimigos', com
técnica, perspicácia e muita sensibilidade, determinação e fé. A cada batalha
vencida, estaremos nos tornando mais fortes e mais equipados para o próximo
enfrentamento. Esse, na minha vivência com a doença, é o segredo para
enfrentarmos a Esclerodermia: ir lutando e vencendo cada etapa, com serenidade,
disciplina, vontade, fé, sem nos entregarmos, pois guerra se vence de pé,
criando estratégias.
Aqueles
que se entregam ao medo, ao pânico, à depressão, sem dúvida, estarão ajudando
na instalação do 'inimigo', deixando campo fértil para ele. A vontade de viver,
o verdadeiro amor pela vida, pelo próximo, pela família, pelos filhos, pelo
trabalho, pelos animais, pela natureza, pela poesia, pela música, pelas expressões
humanas, etc., nos ajudarão a enfrentar com dignidade essa situação. A
esclerodermia chegou para nós, não sabemos os motivos, as causas, enfim, mas
ela está conosco e precisamos enfrentá-la e encará-la de forma a tirarmos
lições positivas dessa situação que a vida nos apresentou. Enfrentar os
problemas, sejam eles quais forem, é a maneira positiva, construtiva e saudável
de crescermos e nos fortalecermos para a vida. E, muitas vezes, até curá-los ou
intimidá-los.
A maneira
como o portador da esclerodermia encarar o problema, já indicará como será a
evolução da doença. Ela será mais rápida e mais cruel quanto mais deprimido,
inseguro e amedrontado estiver o portador. Irá cedendo e se tornando mais
branda, se tomarmos uma postura otimista e de esperança e de confiança na
ciência e na vida. Digo isso porque essa tem sido a minha experiência para com
a Esclerodermia: eu venho enfrentando-a com mais força do que ela.
Comecei a
ter sintomas aos 19 anos, com dores muito fortes nos pés e nas mãos, sempre que
estava muito frio ou em momentos que eu me via muito ansiosa e preocupada. Meus
dedos indicadores ficavam congelados e brancos, até que a dor se tornava
insuportável, quando, em incontáveis vezes, colocava-os sob a chama do fogão
para aliviar aquela sensação de não ter dedos e ao mesmo tempo ter uma dor
alucinante (essa sensação, eu creio, só os portadores de esclerodermia sentem).
Após o
nascimento do meu primeiro filho, aos 21 anos, comecei a ter outros sintomas,
como as isquemias nos pés e mãos, vasculites enormes nas mãos e logo a seguir
nos pés, dores terríveis no abdômen, ulceração no pulmão, esquecimentos
momentâneos, visão turva, diminuição da audição, aceleração nos batimentos
cardíacos, dores fortes nos rins, secura da boca, dos olhos. Com esse quadro,
comecei a receber medicação muito forte, através de pulsoterapia (terapia
indicada para o tratamento de doenças crônicas autoimunes), indo por muitos e muitos anos
para o hospital receber tal medicação. Utilizei bengala por anos seguidos. E
duas luvas em cada mão, assim como duas a três meias nos pés. Tomava a medicação durante a madrugada e não deixava de
trabalhar e ter a rotina normal durante o dia, mesmo que com muitas
dificuldades e dores inenarráveis. Essa opção e postura por não me entregar e
não ceder à doença, eu tenho toda a certeza, foi a minha maior aliada.
E aqui,
quero deixar grifado, entra a importância do médico, que no meu caso
particular, tive a sorte de ter ao meu lado um profissional competente, com uma
postura humana, sensível e ética irretocáveis, que somadas ao seu profundo
conhecimento e saber, além do envolvente gosto pela profissão escolhida,
contribuiu e teve papel fundamental na condução exitosa de todos os tratamentos
praticados, fazendo de mim, que era uma paciente em situação grave, com
inúmeras complicações, muito jovem à época, 24 anos apenas, insegura pelas
circunstâncias do momento, a mulher segura e confiante que sou hoje, apesar da
Esclerodermia.
Tenho sim
essa doença! Não é fácil conviver com ela, são conquistas diárias, é sempre
mais um dia vivido e sobrevivido, pois nós sabemos que ela não nos deixa
esquecê-la, em nenhum minuto do dia sequer, tendo em vista as dores, as
limitações, os incômodos e os transtornos que causamos também àqueles com quem
convivemos. Mas não podemos perder a esperança e a vontade de viver, existem
tantos e tantos problemas, cada pessoa que convive conosco tem o seu problema
também, e muitos deles são tão graves ou maiores do que o nosso. Precisamos
continuar percebendo e ouvindo os outros também e não nos tornarmos os únicos
seres com doença ou com problema no mundo. Não seremos o centro do universo só
porque temos Esclerodermia.
Precisamos
continuar inseridos na nossa família, no nosso trabalho, nos nossos grupos de
amigos, na nossa comunidade, sem nos tornarmos um peso para aqueles com quem
convivemos. A postura que adotarmos ditará a vida que passaremos a ter e,
portanto, dependerá de nós a qualidade de vida que teremos.
No caso
de precisar da ajuda de outras pessoas para as lidas domésticas, para nos
vestirmos, pentearmos, etc., devemos pedi-la e aceitá-la com amor e carinho,
nos oferecendo para retribuir naquilo que estiver ao nosso alcance. A vida é uma
troca, nunca podemos nos esquecer disso. Não devemos nos sentir mal em
solicitar ajuda, precisamos aprender a receber o apoio e atenção daqueles que
nos querem ajudar. Essa ajuda se recebida com carinho, dignidade e respeito ao
outro, fará de nós pessoas muito melhores, mais humanas, mais solidárias, mais
justas e muito mais conscientes. Até ao receber ajuda nós poderemos estar
também ajudando e oferecendo algo a mais ao outro.
Quando
somos acometidos de algum problema grave, físico, como no caso da
esclerodermia, devemos lutar para desenvolver e apurar nosso lado emocional,
intelectual, cognitivo, a consciência, a fim de termos subsídios para colaborar
com nosso médico e com as tão esperadas descobertas científicas, além de
podermos alcançar certa serenidade e compreensão daquilo que estamos
enfrentando. Nossa lucidez é fator primordial para que levemos uma vida
possível e feliz. Possível, sim! Eu, uma portadora de Esclerodermia, afirmo. A
felicidade, a serenidade, são sentimentos muito sutis e muito profundos, muito
nobres, com os quais eu só tive um contato verdadeiro, após meu encontro com a
Esclerodermia. A expansão da minha consciência teve um grande avanço após o
surgimento da doença.
Outro
fator de suma importância é a aproximação entre os portadores da doença. É
muito fortalecedor ao portado da doença a conversa entre seus iguais, a troca
de experiências, a formação de grupos, de associações. É muito reconfortante eu
saber que aquela pessoa que estou vendo e nem imaginando que tem a doença, ser
um portador como eu, ser alguém que luta diariamente pela sobrevivência da
mesma forma que eu. Essas trocas nos aprimoram e nos dão esperança redobrada.
São injeções de ânimo e de estímulo.
Por isso
tudo, e aqui fiz um resumo do resumo, eu me coloco à disposição de todos portadores de Esclerodermia, para que nos comuniquemos através
do site da ASCLERO, do GRUPAL, Dr. Von Muhlen (canal Youtube), de nossos
e-mails pessoais ou pelo telefone ou até mesmo pessoalmente. Eu sou a prova
viva de que é possível conviver com a Esclerodermia. Meu e-mail
é: carmenprs@yahoo.com.br
Desejo a
todos que tenham a sorte que eu tive de encontrar o médico que encontrei e que,
assim como eu, possam compreender essa doença como uma forma de nos tornarmos
seres humanos melhores, independente da beleza ou não de nosso físico ou do
tempo de vida que possamos ter.
Carmen
Pio
Porto
Alegre/RS
(Artigo
original de 2008 – reeditado em 2020)
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